Eu e minha esposa passamos a virada do ano em casa. Como a maioria dos brasileiros, ligamos no show da virada e Caetano e Bethânia estavam cantando uma das canções mais lindas já escritas em português: Oração ao Tempo. Ouvir essa canção novamente me trouxe tantas reflexões.
Essa coisa inexorável e brutal que é o tempo. Sempre dizemos que a única certeza da vida é a morte mas, em geral, não percebemos que o caminho trilhado até ela é feito por meio do tempo. Não nos damos conta até as costas começarem a doer, até que fique difícil achar uma posição para dormir ou quando não saltamos mais tão alto quanto antes.
Percebi que vou fazer 35 anos. Ontem eu tinha 25. Eu mal consigo explicar como uma década se passou, mas sei que TUDO tem como marco o antes e o depois. O tempo subjuga a fúria da juventude ao mesmo tempo em que muitas coisas permanecem inalteradas. No entanto, ao olhar as fotos dos meus vinte e poucos anos, tiradas em câmeras inferiores às de hoje, tudo parece diferente. É uma sensação de infância perdida. Vejo fotos de amigos com os quais não converso mais. Os rolês viraram reuniões e a comida da minha mãe virou a melhor coisa do mundo.
Aliás, depois de tanto esbravejar que queria minha independência fico pensando que poderia ter aproveitado um pouquinho mais a companhia dos meus pais. Mas isso ainda posso fazer. Eu e meus irmãos não rolamos de dar risada como antes. Eles cresceram, tem filhos. Tempo, tempo, tempo.
Apesar disso preciso me lembrar de respirar. De me livrar do nó na garganta. De viver um pouco.
O tempo me faz estar em negociação constante entre quem eu quero ser e quem eu sou. Aprender a se reconhecer no que o tempo traz de novo é tão importante quanto nunca deixar de sentir falta dos dias que eram mais simples.
Criamos uma forma de medirmos o tempo mas nunca de contê-lo. Um ano que se foi e um ano novo que entra nada mais é do que um dia depois do outro. É a ordem natural e é uma coisa brutal. Um dia mais perto da morte é um dia mais perto da eternidade.
E como diz a canção:
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo